O futuro é agora: como o Covid-19 transformou as relações de trabalho. Confira como tudo está mudando e como se adaptar, em reportagem de Isabella Carvalho.
Com o isolamento social em combate ao coronavírus, empresas dos mais variados tamanhos e setores precisaram transformar suas rotinas para se adaptar ao novo cenário. Isso incluiu a adoção do trabalho remoto, uso de novas tecnologias na rotina e a experimentação em massa da digitalização — o que gerou transformações nas relações de trabalho.
De acordo com o estudo “Tendências de Marketing e Tecnologia 2020: Humanidade redefinida e os novos negócios”, o home office deve crescer 30% no Brasil em um período pós-pandemia. O levantamento ainda ressalta que caminhamos para um cenário onde novas práticas se tornarão mais comuns nas relações de trabalho, mesmo com a retomada das atividades. “Empresas que tinham em seu plano experimentar o home office ou uma venda online em um período de cinco anos, tiveram que reavaliar suas estratégias em poucas semanas”, ressalta Ligia Zotini, pesquisadora e fundadora da Voicers, em entrevista ao Conversion News.
Segundo a especialista, o novo momento se relaciona com um termo usado por muitos para definir o futuro: Phygital — ou seja, a união do físico com o digital. O que também reflete nas relações de trabalho. “Nesse novo normal, não vamos mais questionar se o digital vai substituir o físico. Não vai, pois ainda precisamos do contato. Por outro lado, descobrimos que ele torna as relações mais acessíveis, além de ser rápido e democrático”, explica Ligia.
Relações de trabalho híbridas
Em um período pós Covid-19, especialistas ainda apostam em uma volta parcial aos escritórios tradicionais ou até mesmo coworkings. Ou seja, teremos relações de trabalho híbridas que mesclam o mundo físico e virtual. “Muitas empresas vão entender até mesmo que não precisam mais voltar para os escritórios, reservando esse investimento de estrutura para uma realidade onde a economia estará mais escassa”, ressalta Ligia.
Além disso, podemos esperar outras mudanças nas relações de trabalho como resultado da pandemia. Em um artigo para a revista Forbes, Tracy Brower, socióloga norte-americana, destacou algumas delas. A especialista dividiu sua visão sobre o futuro em cinco pilares: o que sua empresa faz por você, como você trabalha com outras pessoas, seu local de trabalho e tecnologia, abordagens da sua empresa e oportunidades de contribuir.
De acordo com Brower, o apoio à saúde mental será adotado com mais atenção pelas empresas, as lideranças se tornarão mais fortes, a cultura será um dos grandes focos nas organizações, o trabalho será mais flexível, mais tecnológico e com novas oportunidades de carreiras. “Teremos uma visão ampliada de como muitas pessoas podem dar o melhor de si para trabalhar — por meio de design inclusivo, novas políticas e práticas e novas abordagens ao trabalho em equipe que suportam diferentes maneiras de se relacionar”, ressalta a socióloga.
O mundo já está mudando
Um estudo realizado pela Cushman & Wakefield com 122 empresas brasileiras de diversos setores indica que 40,2% daquelas que não trabalhavam com home office antes da crise pretendem adotá-lo de forma definitiva quando esse período passar. Além disso, 45% dos entrevistados planejam reduzir o espaço físico pós-crise, incentivados tanto pelo sucesso do modelo recém implementado quanto pelos efeitos econômicos gerados pela pandemia.
Os dados refletem um movimento que já vem se desenvolvendo há algumas semanas no mundo todo. No início de maio, gigantes como Google e Facebook anunciaram a adoção de home office até o final do ano. Mesmo com a retomada das atividades, os funcionários poderão estender o regime pelos próximos meses. Pouco depois, o Twitter anunciou que parte das operações da empresa agora serão permanentemente feitas por meio de home office, e não somente durante o período de quarentena.
No Brasil, empresas de diversos setores também divulgaram mudanças. Em maio, a XP Investimentos anunciou que estenderia o home office até o final do ano — acompanhando o movimento feito por outras grandes companhias. Alguns funcionários ainda poderão optar por adotar o modelo permanentemente. A empresa também estuda transformar seus espaços físicos em escritórios-conceito, ou seja, locais de apoio para demandas específicas, reuniões presenciais e outras atividades.
“A nossa cultura permitiu um ajuste rápido ao cenário atual e a experiência está nos trazendo uma série de aprendizados que podem se transformar, de fato, em uma nova maneira de encarar a vida corporativa”, ressaltou Guilherme Sant’Anna, sócio e responsável pela área de gente e gestão da corretora, em entrevista à InfoMoney.
Além da XP Investimentos, outras empresas também adotaram novas medidas de trabalho que se estendem até o final deste ano, como a Zee.Dog, Nubank e Pipefy. No caso da Zee.Dog, marca exclusiva de produtos para pets, o home office não foi a primeira medida anunciada. Em um movimento inédito no Brasil, a empresa adotou, no início neste ano, a semana de trabalho de quatro dias. Com a pandemia, os funcionários poderão escolher se continuam ou não trabalhando de forma remota quando as atividades normalizarem.
“Nós sempre valorizamos que os nossos colaboradores tenham uma rotina saudável e equilibrada, e, durante o isolamento social, soubemos de pessoas que estão praticando mais atividades físicas, yoga e meditação, em horários que antes passavam no trânsito ou a caminho do trabalho. Com isso, pensamos que não tínhamos porquê esperar acabar a quarentena para anunciarmos a decisão”, afirma Thadeu Diz, um dos fundadores e diretor criativo da marca.
Novidade para alguns, costume antigo para outros
Enquanto algumas empresas adotam, pela primeira vez, o home office, outras já estavam adaptadas a “novidade”. Como é o caso da Zenvia, empresa de plataformas inteligentes. “Para nós, não estar presente no escritório foi muito mais fácil e um movimento natural, pois já seguíamos uma política de home office uma vez por semana”, conta Katiuscia Teixeira, gerente de gestão de pessoas da Zenvia, em entrevista ao Conversion News.
Segundo ela, com a pandemia, a empresa realizou alguns ajustes e deu todo o suporte necessário para que os funcionários trabalhassem com conforto. “Enviamos computadores, telas e outros equipamentos para ajudar no que fosse preciso. Ao mesmo tempo, todos os nossos sistemas já eram preparados para home office, com soluções para reuniões virtuais e outras atividades”, ressalta.
Na contramão da pandemia, a empresa ainda contratou cerca de 50 novos funcionários com entrevistas à distância. Além disso, realizou uma pesquisa para medir a produtividade dos outros colaboradores neste novo cenário. “Notamos que esse modelo tem funcionado muito bem, o que nos fez pensar em como serão as relações no futuro. Ainda estamos entendendo o impacto de tudo isso para as empresas, mas é fato que a pandemia nos obrigou a testar algo diferente”, diz Katiuscia.
O que esperar daqui para frente
Seja no setor de tecnologia, finanças ou até mesmo no mercado pet, as relações de trabalho nas empresas não serão mais iguais em um futuro pós Covid-19. “As gerações mais jovens, principalmente, valorizam o equilíbrio e a flexibilidade. Acredito que o mundo depois do vírus será híbrido, com escritórios mais fluídos, composições não tão fixas e muito mais liberdade”, ressalta Katiuscia.
Além disso, a própria relação humana também está se transformando neste cenário de pandemia. É o que acredita Thelma Tardivo, líder de RH da agência Conversion. “O que mais muda, no fim das contas, é a relação entre as pessoas. Seja entre os funcionários de uma empresa ou entre a empresa e seus clientes. Estamos buscando outras formas de interação para substituir o contato humano e manter esse vínculo de confiança”, ressalta.
Segundo Thelma, o coronavírus chegou para acelerar um processo tímido em algumas empresas — que passaram a adotar, quase que instantaneamente, novas práticas e metodologias. “A pandemia veio para mudar muitas coisas. As empresas agora estão lidando com o home office, tiveram que se estruturar e mudar seu formato de trabalho, o que ainda era muito embrionário para muitas delas”, diz.
É neste contexto que o uso de tecnologia torna as relações de trabalho digitais, mas também mais próximas. “A tecnologia se tornou uma grande aliada neste momento. É por meio dela que a gestão está sendo feita, assim como processos de feedbacks, reuniões, conferências e até mesmo happy hours. É um movimento que não tem volta”, ressalta Thelma.