As regras para ser um líder, não um chefe

Thelma Tardivo
Thelma Tardivo

Inevitável falar de um líder sem citar o que ele não faz, já que na nossa história tivemos mais chefes do que líderes. A comparação no modelo de gestão e crenças entre líderes e chefes torna-se quase didático.

Existem muitos motivos para que hoje ainda seja mais fácil encontrar chefes e centenas de cursos com o objetivo de desenvolver liderança.

A nossa cultura, a hierarquia rígida nas organizações e até mesmo nas escolas, a história da figura do pai e mãe, além das representações de poder que conhecemos, contribuíram para as características do chefe que encontramos nas organizações nos dias de hoje.

Na verdade, muitos profissionais passam a carreira respondendo para chefes e quando a responsabilidade de gerir uma equipe é assumida, se tornam tão chefes quanto seus chefes, esquecendo de tudo aquilo que sentiram falta no início da carreira.

No entanto, nem todos os gestores seguem esse caminho. Em determinado momento, alguns começam a entender que modelo não está coerente com os seus próprios valores, que não atendem às necessidades do mercado ou que não geram resultados bons ou consistentes.

Para aqueles que estão no momento de questionar, ganhar consciência e transformar a sua forma de gestão. Tenho algumas dicas:

1. O LÍDER PERGUNTA MAIS DO QUE RESPONDE

Como assim? Para desenvolver a equipe é preciso dar espaço, estimular a reflexão, a resolução de problemas, o pensamento crítico e a participação ativa no dia a dia.

Uma das ferramentas mais poderosas para que tudo isso seja realidade no seu time é PERGUNTAR. Sim, quando alguém chega até você perguntando o que deve fazer agora ou como deve resolver um problema, ajude este profissional a pensar.

Na maioria das vezes você tem a resposta, mas só forneça em último caso. Primeiro, faça perguntas que ajudem o time a encontrar uma saída. O que o trouxe para essa situação? O que você pensou a respeito? O que você já tentou fazer para resolver essa questão? O que você faria? Quem está sendo impactado? O que poderia ter feito de diferente para não estar nessa situação? O que acha de pensar sobre isso e conversarmos mais tarde com uma proposta?

Com o passar do tempo, você pode se surpreender: alguém pode encontrar uma solução melhor do que a sua.

2. O LÍDER SABE OUVIR E ESTIMULA A EQUIPE A FALAR

Desde a escola ou até mesmo em casa, aprendemos que a “autoridade” fala e o melhor é sempre seguir as regras e obedecer. No ambiente corporativo, muitos profissionais seguem com a mesma postura.

Crenças como “obedece quem tem juízo” ou “melhor não falar o que pensa” contribuem para uma equipe mais passiva, acostumada a ouvir as diretrizes e a não dar a sua opinião.

Um líder estimula a equipe a falar o que pensa, cria oportunidade para conhecer as dúvidas e questionamentos, faz perguntas abertas, pede opinião, envolve na construção ou definição de uma ação.

Para isso acontecer, não repreende a cada pergunta “óbvia” que o colaborador faz, não interrompe, não ridiculariza uma resposta, não se defende ou ataca após uma crítica ou feedback.

Para as pessoas falarem é preciso construir um ambiente seguro.

3. O LÍDER COBRA RESPONSABILIDADE E NÃO TAREFAS

Qual é a diferença entre responsabilidade e tarefa? A maior delas é que se o gestor passa uma atividade, o colaborador entende o que deve ser feito e quando deve entregá-la, ponto.

O profissional não é envolvido no significado daquela tarefa, de qual todo ela faz parte ou quais resultados que ela alcança em um espectro mais amplo. Portanto, para quem executa a tarefa, nada mais importante do que a entregar.

Se no meio do caminho aquela tarefa não faz mais sentido, se algo exige que ela seja feita mais rápido ou que seja alterada na lista de prioridades, que a qualidade seja avaliada de acordo com o ciente que irá recebê-la, não espere que o colaborador o faça.

Ele não foi treinado, estimulado ou convidado a fazer isso. Na maioria das vezes entende que não é permitido e se acomoda. Outro ponto é que se o colaborador existe para executar tarefas, o tempo dela estará repleto de: tarefas. Não há tempo para pensar em nada além de sua execução.

Dar responsabilidade é bem mais complexo. Ensinar ou estimular o colaborador a ser responsável pela satisfação do cliente, pela qualidade do trabalho, pelo alcance do objetivo, pela meta do cliente, é mais difícil, demorado e também arriscado.

Se você manda um padeiro fazer pão, ele fará. Isso é dar tarefa. Provavelmente, conseguirá o que pediu (ou mandou).  Mais complexo é ajuda-lo a comprometer-se a entregar sabor, cor, cheiro e temperatura esperado ao cliente. Neste caso, o meio para o padeiro alcançar esses resultados será o pão, e o sentido e objetivo dele será satisfazer o cliente.

Quanto mais o padeiro entender como os indicadores foram construídos, como serão medidos, por quem e para que servem, maior será o seu comprometimento com o resultado. Lembrando que a responsabilidade precisa ser aceita para que haja um maior desempenho. Ameaçar para que isso aconteça, também não resulta em melhores resultados.

4. UM LÍDER ACOMPANHA A EXECUÇÃO E NÃO SAI EXECUTANDO

Muitas vezes é mais fácil fazer do que explicar como se faz. Também mais fácil sair fazendo para atender o prazo do que esperar que o outro faça e arriscar o resultado. 

Fato. O melhor exemplo é quando se está com pressa para sair de casa e você tem que escolher entre esperar o seu filho pequeno amarrar o próprio tênis ou você falar que está com pressa e fazer você mesmo.

A mudança aqui está em pensar nas consequências e no futuro. O hábito de fazer pelo outro nos leva seguramente a um lugar: amarrar o tênis do filho até ele completar 12 anos e sentir vergonha de receber a sua ajuda.

O líder, diferente do chefe que administra tarefas e amarra sapatos, se coloca cada vez mais afastado do centro do time. Treinar, informar, acompanhar e deixar algo dar errado contribui para o desenvolvimento e autonomia do time. Estar atento para os riscos e gerir as ações da equipe, evitando danos irreparáveis é o que um líder faz. 

Esperar pelo último dia de entrega e se deparar com o inacabado e colocar a mão na massa para garantir a entrega não contribui para autonomia futura da equipe. Provavelmente passará pela mesma situação na semana seguinte. Neste caso, você não será nem chefe, nem líder, será um executor.

Voltando ao exemplo (simplista) sobre amarrar os sapatos… amarre os sapatos naquele dia que estava com pressa, mas crie momentos para treinar o seu filho amarrar sozinho e com o seu apoio.

Depois, ele não precisará mais de você para isso.

5. O LÍDER INTEGRA E NÃO ESTIMULA A COMPETIÇÃO

Alguns estilos de gestão estão apoiados na geração de conflito e competição entre as equipes e até mesmo dentre os membros da própria equipe. Gerando a comparação de resultados e comportamentos, alguns líderes acreditam que alavancam desempenho. Baseiam-se na disputa do melhor bônus, comissão, promoção ou benefícios, para alcançarem melhores resultados.

O líder, por sua vez, busca integrar.

Entende que quanto mais próximos os membros da equipe estiverem, melhor o clima, maior o vínculo, maior a segurança, maior o apoio entre eles, maior ajuda. 

Nesse cenário, o líder consegue que o trabalho em equipe realmente aconteça, onde os profissionais se apoiam, trocam experiências, conhecimentos, informações valiosas, trabalham de forma a complementar suas competências e a superarem dificuldades, tornado assim, uma equipe cada vez mais autônoma.

6. O LÍDER ENTENDE QUE O “PODER” ESTÁ NA TRANSPARÊNCIA    

O chefe quer estar no centro, no comando, com o controle nas próprias mãos. Para isso precisa se mostrar intacto e perfeito. Para isso deve permanecer distante, já que essa perfeição não existe.

Então, o chefe não erra ou erra pouco, precisa fazer as coisas ao seu modo (talvez porque não saiba fazer de outro) e precisa dar tarefas, já que não consegue cobrar responsabilidades.

Já um líder assume as próprias fraquezas, se coloca no papel também de aprendiz, por isso é mais fácil pedir ajuda e opinião aos demais. O líder é transparente e diz quando não sabe, mostra e lida com os resultados ruins e com as próprias necessidades de desenvolvimento.

Qual é a consequência disso? Verdade. A equipe acredita no líder, o percebe como real e confiável. Isso gera um ambiente no qual o profissional pode falar que errou, pode dizer que não sabe, pode pedir ajuda e reconhece quando precisa de desenvolvimento em alguma competência.

Neste cenário, o líder é respeitado como referência e apoio. É aceito dessa forma e não precisa usar o poder do cargo para alcançar os objetivos.

7. O LÍDER NÃO FALA SOMENTE DE ERROS

Não é somente no ambiente de trabalho que o nosso hábito de se concentrar no que falta ou no que não deu certo está presente. Faz parte da natureza humana e é estimulado por nossa cultura.

O mais importante aqui são as consequências desses hábitos, que são representados por constantes feedbacks negativos que os chefes oferecem a sua equipe.

Sempre há algo a melhorar, isso é fato. Porém, não é possível errar sempre.

O que acontece com um profissional que se reúne com o seu gestor sempre que há algo de errado ou a melhorar? Que o feedback está sempre relacionado ao negativo. Que não há reconhecimento de resultados ou atitudes positivas?

O resultado de longos períodos de repressão é o estresse, além de uma autoconfiança frágil.

O líder percebe e reconhece o que não deu certo, mas também aquilo que está funcionando. A equipe e cada membro dela são vistos por uma ótica mais completa, inteira. Nessa leitura, o líder não chama um colaborador para uma reunião a cada erro cometido para repreender tal ação.

O feedback de um líder não se resume a dizer o que precisa melhorar ou o que precisa deixar de acontecer. O líder acompanha, avalia e diagnostica o profissional de forma integral e o feedback é sobre o todo. O feedback não para no comportamento, avança para parceria em como melhorar, cada um com a sua responsabilidade.

O resultado dessa atuação é sempre um plano de ação para mudar o que precisa ser mudado e manter aquilo que precisa ser mantido.

8. O LÍDER DÁ PERMISSÃO

Uma grande contribuição de um líder, além de não responder prontamente às perguntas dos profissionais, é dar permissão ao profissional imprimir a sua própria marca no seu trabalho.

Dentre os diversos fatores de estresse no trabalho está a falta de permissão para fazer as coisas em consonância com a própria essência, sua própria forma. Então, o sucesso seria não negar nem processos e metodologia, nem uma certa liberdade no “como”.

Uma pergunta muito comum entre os profissionais é: como faço para desenvolver tal competência ou para fazer isso melhor? E essa pergunta espera mais do que uma resposta, espera uma receita.

O chefe rapidamente dá a receita, a mesma que funcionou pra ele ou aquela que criou de acordo com sua crença. Não digo que é impossível funcionar, mas as chances são pequenas.

Às vezes o profissional nem consegue fazer essa pergunta, porque o chefe identifica o que deve ser desenvolvido e dá a receita para solucionar o problema logo em seguida. Este chefe é também aquele que dita a forma de executar um determinado trabalho. Oferece a tarefa e como e em que ordem ela deve ser executada. É semelhante a uma receita detalhada de bolo. Diminuiu a angústia, porém, diminui o controle pessoal do colaborador.

O líder permite que o profissional faça também do seu jeito, acompanhando e avaliando os resultados acordados. Normalmente estimula o colaborador a testar sua própria receita e avalia os resultados em parceria. Contribuiu com a sua experiência quando necessário e oferece opções. 

9. O LÍDER INVESTE TEMPO NO SENTIDO

Nem todas as decisões podem ser tomadas em conjunto, mas podem ser comunicadas com sentido. O chefe manda e nem sempre precisa dar muitas explicações, já um líder investe tempo e energia para que a equipe entenda o raciocínio para determinada tomada de decisão, o problema que esperava resolver e o que espera como resultado.

O objetivo não é garantir que todos concordem com o caminho, mas que entendam como o caminho foi construído. Neste momento, a equipe ter a oportunidade de expor sentimentos (como medo, por exemplo), dúvidas ou críticas que podem ser tratadas com o tempo. Saber o que a equipe pensa é também uma ferramenta de aproximação, diagnóstico e intervenção.

A equipe quando entende que o líder investiu tempo para comunicar e ouvir, sente-se reconhecida e entende melhor o seu valor. A relação torna-se cada vez mais aberta e transparente e isso tudo contribui para o engajamento e desempenho.

10. O LÍDER SE IMPORTA

Poucos gestores sabem ou aceitam que suas responsabilidades estão além de fazer com que a equipe entregue as tarefas nos prazos determinados.

O líder se importa com o ser humano em sua totalidade. O que isso quer dizer? Que um líder de verdade conhece os objetivos (todos, inclusive os pessoais) dos seus colaboradores. Sabe também de suas fraquezas, medos, anseios e necessidades. E para que? Para apoiá-lo em sua evolução.

Tudo isso dá ao líder condições de encorajar o profissional a sair de sua zona de conforto, de se arriscar a conquistar o que deseja, para servir de espelho quando o profissional não percebe algumas crenças limitantes, atitudes negativas e resistências que o impedem de crescer.

Se importar é perguntar, ouvir, compreender, ser empático e por que não, cuidar. O sentido aqui não é assistencialismo ou paternalismo, mas a parceria em fazer a diferença, seja na empresa, seja na vida do outro.

Escrito por Thelma Tardivo

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